Jovem: vocação e compromisso | Artigo de Jovens Conectados

O tema “vocação” desperta muito o interesse dos jovens e das jovens hoje. A juventude é tempo de tomada de decisões, de projeções futuras que começam a ganhar seus contornos já no presente. Que faculdade cursar? Que experiências de trabalho e intercâmbios realizar? A que grupos se aproximar? Como construir um projeto de vida?

Entre tantas questões surge também a pergunta sobre o sentido da vida, sobre o próprio lugar no mundo, na história, o desejo de fazer a diferença. Coloca-se a interrogação por quê e para que faço o que faço ou deveria fazer? E disso, quem eu sou? Apenas mais um na multidão? E jovens de fé ainda acrescentam: o que Deus quer de mim? Qual sua vontade? Mas corre-se o risco de não saber “fazer perguntas, as existenciais, que dão gosto à vida, pois se contentam com respostas superficiais de informações racionais” (CENCINI, 1999, P. 12). Entrando nesta lógica da superficialidade, a juventude fica à deriva, sem aprofundar o sentido de sua existência e sem descobrir a beleza da própria vocação, ou seja, o projeto de amor de Deus pensado para cada pessoa tendo em vista sua felicidade e a construção do Reino de Deus. Vocação é dom que se faz compromisso e exige a capacidade de silenciar para escutar e a disposição de colocar-se a serviço assumindo um compromisso de amor a Deus e aos irmãos.

A beleza da vocação

O Papa Francisco nos convida a refletir na “chamada à santidade que o Senhor faz a cada um de nós, a chamada que dirige também a ti: sede santos, porque Eu sou santo” (Gex 10). A vocação é o chamado a ser santo, ser santa, ou seja, a perfeição no amor, na amizade como Senhor, “cada um por seu caminho” para se chegar a ser plenamente humano, ou seja, a ter “o mesmo sentir e pensar que o Cristo Jesus” (Fl 2,5). Ser vocacionado é ser alvo do amor preferencial de Deus que “gasta tempo” com cada um, traçando um projeto de vida que enche a pessoa de sentido e a faz feliz. Isso é maravilhoso e enche o coração de alegria e de gratidão.

A vocação é um convite, dom de Deus que toma a iniciativa e espera uma decisão livre que envolve o ser, o sentir, o pensar, o agir. Responder exige coragem e disposição para assumir o caminho de santidade que, para além de um sistema de regras morais a serem vividas, é uma atitude do coração que está constantemente voltado para Deus, por isso, capaz de amar como Ele ama e sente-se impelido a servir os irmãos e irmãs.

É importante também lembrar que mais do que “fazer algo” numa vocação específica (casado, religioso ou religiosa, padre, consagrado), o convite do Senhor é para “estar com Ele” para depois ser enviado/a em missão (Mc 3,14). Como bem nos lembra o Papa Francisco na Cristo Vive, n. 250,

(…) Jesus quer de cada jovem é, antes de tudo, a sua amizade. Este é o discernimento fundamental. No diálogo do Senhor ressuscitado com o seu amigo Simão Pedro, a pergunta importante era: «Simão, filho de João, tu amas-Me?» (Jo 21, 16). Por outras palavras: Amas-Me como amigo? A missão que Pedro recebe de cuidar das ovelhas e cordeiros de Jesus estará sempre ligada com este amor gratuito, este amor de amigo.

Para cultivar a amizade com o Senhor é necessária atitude de escuta, que pressupõe silêncio e tempo. O cultivo da espiritualidade, que engloba a vida sacramental, práticas devocionais e a vida em comunidade, é caminho que predispõe o coração para ouvir o que Deus quer de cada pessoa. O tempo para a oração pessoal, sobretudo a partir da Palavra de Deus, torna o jovem e a jovem cada vez mais íntimos de Jesus e vai modelando o seu jeito de pensar e agir de forma que os gestos de Jesus também começam a traduzir-se nos próprios gestos de bondade, de solidariedade de amor aos mais fracos daquele que escuta o Mestre.

Da escuta do Senhor brota o desejo de atuar como Ele no hoje da história. Mas o jovem e a jovem não podem ficar apenas no desejo. É preciso a decisão de “sair do sofá”, como dizia o Papa Francisco na JMJ em Cracóvia, e colocar-se a serviço. Desta forma, a vocação é também um compromisso de amor, de doação. Vivendo a disponibilidade em servir na família, na comunidade eclesial e na sociedade cada pessoa pode perceber suas capacidades e seus dons pessoais. Na escuta e na disponibilidade em servir, o Senhor revela seu projeto, a vocação específica de cada jovem: ser consagrado, religiosa, padre, pai, mãe ou mesmo um profissional atuando na sociedade, mas com os “olhos fixos em Jesus” (Hb 12,2) e naqueles que Ele ama, os mais vulneráveis.

Pastoral Juvenil Vocacional

A Exortação Cristo Vive e todo o processo sinodal chamam a atenção para o discernimento e para a importância do acompanhamento no processo vocacional (CV 242). Sendo a santidade a meta, é necessário que cada jovem possa conhecer as diferentes formas de alcançá-la e discernir, num sério caminho de amadurecimento humano e espiritual, qual é a forma de realizar o projeto de Deus em sua vida.

Além de conhecer possibilidades, é necessário escutar a Deus que chama e responder, como já afirmado. Escuta e disponibilidade se aprendem. É exercício diário. A todo serviço de evangelização da juventude cabe considerar este tempo de decisões e criar espaços para desenvolver a capacidade de ouvir e doar-se. Colaborar com a superação da superficialidade e o fomento de perguntas existenciais que dão espaço para o chamado, cultivar a espiritualidade, criar o “hábito” de escutar a Deus que se revela, na Palavra, na história, na vida de cada pessoa, são tarefas de toda ação pastoral com jovens, comprometida com a formação integral, que contempla também a dimensão vocacional, ou seja, o projeto pessoal de vida confrontado com o projeto do amor de Deus.

A experiência missionária é exercício de saída de si que cria novas disposições para responder. Ser missionária, também é próprio da Pastoral Juvenil, pois “a missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; (…) Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo” (CV 254). Toda pastoral juvenil é vocacional e missionária. Para isso, gera possibilidades e experiências, não aventuras, missionárias que levem a juventude a vivenciar a missão de Cristo, “anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos, e, ao cego, a recuperação da vista…” (Lc 4, 18), de ir ao encontro da “ovelha perdida” e estará sempre à escuta da vontade do Pai tornando-se capaz de optar pelo seguimento de Jesus.

Conclusão

A vocação é uma história de amor. Histórias de amor se constroem com o encantamento pelo outro e por gestos concretos de renúncia e doação. É também fruto da liberdade de cada pessoa em escolher ser feliz e fazer o outro feliz. Assim também a vocação é relação de encantamento por Deus, de desejo e busca do seu amor infinito e que se traduz em gestos concretos de doação de si mesmo. O projeto de Deus realizado na própria vida e na sociedade é a meta que só é atingida na medida em que cultivamos a amizade com Ele e vamos aprendendo dEle as formas de viver, amar e servir. A escuta e a disponibilidade no serviço nos coloca em sintonia com Deus de forma a podermos perceber onde e como assumir e realizar a própria vocação.

Assim, vocação é dom e compromisso assumido de caminhar com Jesus, fazendo como Ele, a vontade do Pai, deixando-se guiar pelo Espírito que gera vida e impulsiona para a missão. A Pastoral Juvenil contribui como farol a apontar a direção em que o Senhor se manifesta e força que impulsiona para o serviço, acompanha e encoraja na resposta à Sua chamada.

Referenciais

CENCINI, Amadeo. Os jovens ante os desafios da vida consagrada. Interrogações e problemáticas. São Paulo: Paulinas, 1999.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Gaudete et exsultate sobre a chamada à santidade no mundo atual. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20180319_gaudete-et-exsultate.html. Acesso em: 12 jul. 2020.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-sinodal Christus Vivit aos jovens e a todo o povo de Deus. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html. Acesso em: 12 jul. 2020.

Por Ir. Valéria Leal, assessora interna da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude – CEPJ